CHEN, Da. A montanha e o rio. Tradução:
Paulo Andrade Lemos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007. 493p.
Créditos: http://www.dachen.org/
Da Chen nasceu no sul da China, em 1962, e emigrou
para os Estados Unidos aos 23 anos com apenas 30 dólares no bolso, uma flauta
de bambu e o coração cheio de esperança. Formado pela Faculdade de Direito de
Columbia, mora com sua família na região do Vale do Rio Hudson, no estado de
Nova York. Publicou as obras: Colors of the Mountain (1999), China's Son: Growing Up in the
Cultural Revolution (2001), Sounds of the River: A Memoir (2002), Wandering
Warrior (2003) e Brothers
(2006). Esta última foi a primeira incursão de Da Chen na
ficção, sendo que começou a escrevê-la no dia que o seu filho nasceu e levou
oito anos para concluí-la. Traduzida em português como “A montanha e o
rio”, foi considerada melhor livro de 2006 pelos jornais americanos The
Washington Post, San Francisco Chronicle, Miami Herald e Publishers' Weekly.
A montanha e o rio é uma história de conspiração, mistério e paixão, que conta
a saga da família Long ao longo de quase quatro décadas, acompanhando a
trajetória dos filhos do general Ding Long, o filho legítimo Tan e o ilegítimo
Shento. Separados pela distância e pelas condições de vida, os meio-irmãos
trilham caminhos distintos, porém suas vidas se encontram em meio a
acontecimentos marcantes da história da China no final do século XX. Seus destinos
os colocam como inimigos, em virtude de serem adversários políticos (Shento
representa o totalitarismo comunista e Tan, o capitalismo selvagem) e por se
apaixonarem pela mesma mulher: Sumi. O romance está dividido em 67 capítulos,
que alternam o foco narrativo, ora mostrando a perspectiva de Shento, ora a de
Tan, e lá pra frente também a de Sumi, conforme ilustra os trechos a seguir:
(SHENTO)
[...] O
nascimento dele foi um acontecimento trágico, e sua história não é diferente da
vida de muitos imperadores que, vindos do nada, ascenderam ao trono dourado.
Baba ficou em
silêncio por um momento.
- É...já li
em algum lugar que os acontecimentos trágicos formam homens extraordinários.(p.12-13)
(TAN)
Segundo a tradição, eu, muito bem lavado,
penteado e vestindo uma roupa nova de marinheiro, fui colocado no chão rodeado
por objetos variados. Aquele que eu escolhesse iria simbolizar o que eu seria
quando crescesse. Para surpresa de todos, não escolhi nem o tanque de guerra e nem
o ábaco, que estavam estrategicamente posicionados bem diante dos meus olhos e
facilmente ao meu alcance, enquanto meus dois avós, ajoelhados, tentavam me
influenciar na escolha. Em vez disso, peguei um globo terrestre em miniatura,
cravei os dentes nele e o despedacei. Em
seguida, com a mão direita, peguei o ábaco, que descartei quase imediatamente,
e apanhei o tanque de guerra. O banqueiro cantou vitória, mas o general disse
que riria por último. Ficou decidido que, por eu ter apanhado o globo
terrestre, meu destino era ser um grande líder mundial, mas que eu seria
ambivalente no que dizia respeito ao instrumento a ser usado para alcançar
aquela posição.(p. 21)
(SHENTO)
“Tenha
coragem”, disse a mim mesmo. “Segure firme as rédeas e vai dar tudo
certo.” Apesar dos pesares, tinha gratidão pelo velho general, o homem que
havia me dado um tapa na cara e que estava me enviando para o colégio militar.
Decidi encarar aquilo como uma oportunidade. Jurei dar o melhor de mim e fazer
jus ao meu nome, cujo significado é “topo da montanha”.(p. 64)
(TAN)
Desde que me entendo por gente, cresci
ouvindo as pessoas me dizerem que eu não era um menino comum. Agora então,
naquela noite, confinado numa cela fedorenta, eu ainda sentia que era especial,
diferente do presidiário na cela ao lado, fosse ele quem fosse. [...] Estava
ali para alguma experiência, para testar a minha constituição. Todos os grandes
homens tinham que passar uma temporada na prisão. Isso está em todos os livros
de história. As prisões punham os homens à prova e o fortaleciam. (p.156)
(SUMI)
Apaixonada pelos dois irmãos! Eu
amaldiçoava o meu próprio destino, as três facas cravadas nele. Quem eu deveria
escolher? Shento, com sua crueza da gente das montanhas e sua sede desesperada?
Ou Tan, com o coração amoroso que tranquilizada a mente, sem deixar espaço para
a mágoa e a solidão, fazendo com que eu não precisasse de mais nada? Um morreria
por mim. O outro não viveria sem mim. (p.365)
(SHENTO)
Mas a realidade é muitas vezes a antítese
dos nossos sonhos. (p. 491)
A leitura é envolvente e
emocionante. Possui uma linguagem poética, repleta de metáforas. O livro mostra
como o tempo transforma o ser humano, seja em seu aspecto físico, seja sua
ideologia, seu ânimo. Mostra como a guerra, os conflitos políticos e o espírito
competitivo afetam as pessoas, desde a infância, bem como seus sonhos, seu
caráter. Revela também a cultura dominada pelos homens e a pressão que sofrem,
evidenciada pela rígida educação.
Trata-se de um livro sobre
família, honra, poder, patrotismo, coragem, superação, vingança, luta pela
liberdade e amor. Você torce, sofre e se emociona com os personagens, que são
intensos. Não consegue distinguir quem é mocinho ou vilão. Todos são agentes e
vítimas do destino, de suas escolhas e de suas ações. Você aprende que nunca é
tarde para recomeçar, redimir-se, libertar-se, perdoar e ser perdoado, que o
ódio deve ser apagado e o amor, nunca esquecido.
*Elaborada por Gláucia Ventura
como requisito para participação no Desafio Literário 2012, no tema do mês de
Abril (Autor Oriental). Julho de 2012.