segunda-feira, 16 de julho de 2012

Resenha: A montanha e o rio, de Da Chen*



CHEN, Da. A montanha e o rio. Tradução: Paulo Andrade Lemos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007. 493p. 

Créditos: http://www.dachen.org/

Da Chen nasceu no sul da China, em 1962, e emigrou para os Estados Unidos aos 23 anos com apenas 30 dólares no bolso, uma flauta de bambu e o coração cheio de esperança. Formado pela Faculdade de Direito de Columbia, mora com sua família na região do Vale do Rio Hudson, no estado de Nova York. Publicou as obras: Colors of the Mountain (1999), China's Son: Growing Up in the Cultural Revolution (2001), Sounds of the River: A Memoir (2002), Wandering Warrior (2003) e Brothers (2006). Esta última foi a primeira incursão de Da Chen na ficção, sendo que começou a escrevê-la no dia que o seu filho nasceu e levou oito anos para concluí-la. Traduzida em português como “A montanha e o rio”, foi considerada melhor livro de 2006 pelos jornais americanos The Washington Post, San Francisco Chronicle, Miami Herald e Publishers' Weekly.

A montanha e o rio é uma história de conspiração, mistério e paixão, que conta a saga da família Long ao longo de quase quatro décadas, acompanhando a trajetória dos filhos do general Ding Long, o filho legítimo Tan e o ilegítimo Shento. Separados pela distância e pelas condições de vida, os meio-irmãos trilham caminhos distintos, porém suas vidas se encontram em meio a acontecimentos marcantes da história da China no final do século XX. Seus destinos os colocam como inimigos, em virtude de serem adversários políticos (Shento representa o totalitarismo comunista e Tan, o capitalismo selvagem) e por se apaixonarem pela mesma mulher: Sumi. O romance está dividido em 67 capítulos, que alternam o foco narrativo, ora mostrando a perspectiva de Shento, ora a de Tan, e lá pra frente também a de Sumi, conforme ilustra os trechos a seguir:
  
(SHENTO)
[...] O nascimento dele foi um acontecimento trágico, e sua história não é diferente da vida de muitos imperadores que, vindos do nada, ascenderam ao trono dourado.
Baba ficou em silêncio por um momento.
- É...já li em algum lugar que os acontecimentos trágicos formam homens extraordinários.(p.12-13)

(TAN)
Segundo a tradição, eu, muito bem lavado, penteado e vestindo uma roupa nova de marinheiro, fui colocado no chão rodeado por objetos variados. Aquele que eu escolhesse iria simbolizar o que eu seria quando crescesse. Para surpresa de todos, não escolhi nem o tanque de guerra e nem o ábaco, que estavam estrategicamente posicionados bem diante dos meus olhos e facilmente ao meu alcance, enquanto meus dois avós, ajoelhados, tentavam me influenciar na escolha. Em vez disso, peguei um globo terrestre em miniatura, cravei  os dentes nele e o despedacei. Em seguida, com a mão direita, peguei o ábaco, que descartei quase imediatamente, e apanhei o tanque de guerra. O banqueiro cantou vitória, mas o general disse que riria por último. Ficou decidido que, por eu ter apanhado o globo terrestre, meu destino era ser um grande líder mundial, mas que eu seria ambivalente no que dizia respeito ao instrumento a ser usado para alcançar aquela posição.(p. 21)    

(SHENTO)
“Tenha  coragem”, disse a mim mesmo. “Segure firme as rédeas e vai dar tudo certo.” Apesar dos pesares, tinha gratidão pelo velho general, o homem que havia me dado um tapa na cara e que estava me enviando para o colégio militar. Decidi encarar aquilo como uma oportunidade. Jurei dar o melhor de mim e fazer jus ao meu nome, cujo significado é “topo da montanha”.(p. 64)

(TAN)
Desde que me entendo por gente, cresci ouvindo as pessoas me dizerem que eu não era um menino comum. Agora então, naquela noite, confinado numa cela fedorenta, eu ainda sentia que era especial, diferente do presidiário na cela ao lado, fosse ele quem fosse. [...] Estava ali para alguma experiência, para testar a minha constituição. Todos os grandes homens tinham que passar uma temporada na prisão. Isso está em todos os livros de história. As prisões punham os homens à prova e o fortaleciam. (p.156)

(SUMI)
Apaixonada pelos dois irmãos! Eu amaldiçoava o meu próprio destino, as três facas cravadas nele. Quem eu deveria escolher? Shento, com sua crueza da gente das montanhas e sua sede desesperada? Ou Tan, com o coração amoroso que tranquilizada a mente, sem deixar espaço para a mágoa e a solidão, fazendo com que eu não precisasse de mais nada? Um morreria por mim. O outro não viveria sem mim. (p.365)     

(SHENTO)
Mas a realidade é muitas vezes a antítese dos nossos sonhos. (p. 491)

A leitura é envolvente e emocionante. Possui uma linguagem poética, repleta de metáforas. O livro mostra como o tempo transforma o ser humano, seja em seu aspecto físico, seja sua ideologia, seu ânimo. Mostra como a guerra, os conflitos políticos e o espírito competitivo afetam as pessoas, desde a infância, bem como seus sonhos, seu caráter. Revela também a cultura dominada pelos homens e a pressão que sofrem, evidenciada pela rígida educação.

Trata-se de um livro sobre família, honra, poder, patrotismo, coragem, superação, vingança, luta pela liberdade e amor. Você torce, sofre e se emociona com os personagens, que são intensos. Não consegue distinguir quem é mocinho ou vilão. Todos são agentes e vítimas do destino, de suas escolhas e de suas ações. Você aprende que nunca é tarde para recomeçar, redimir-se, libertar-se, perdoar e ser perdoado, que o ódio deve ser apagado e o amor, nunca esquecido.

*Elaborada por Gláucia Ventura como requisito para participação no Desafio Literário 2012, no tema do mês de Abril (Autor Oriental). Julho de 2012.

3 comentários:

  1. me identifiquei bastante com esse livro, mas achei que o escritor puxou a sardinha para o lado de Tan, mas super recomendo!

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    1. Oi, Filipe, não acho que o escritor puxou sardinha pra lado de nenhum personagem...mas que ele mostrou as transformações de cada um deles diante das situações enfrentadas na vida de cada um, dentro de um contexto mais geral de mudanças no país deles. Obrigada pela visita e continue participando com seus comentários.

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  2. Olá
    Acho que o autor se perdeu um pouco nas ultimas 100, 120 páginas. Tan organiza uma grande revolução, falha, consegue fugir, descobre uma grana alta que o avô desviou e não se mobiliza para dar continuidade aquela revolução toda, onde varias pessoas morreram pela causa... Não achei legal essa parte. O Shento pra mim foi mais uma vítima de todos os adventos que passou em sua vida, e foi movido pelo ódio e rancor, a tal ponto de passar por cima do seu único amor.E Sumi no meio desse fogo cruzado (rs), mas o seu final eu achei sensato. Outra coisa que senti muita falta: o encontro dos dois! Eles precisavam de um acerto de contas, no mínimo! Bom, essa foi minha opinião.

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